quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A União Europeia Como Referência Para o Mercosul?


Brasília, doze de setembro de 2011. Os presidentes das mais altas cortes da América Central e América do Sul reuniram-se com pesquisadores, docentes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e membros da magistratura de todo o Brasil, no Congresso Internacional “Sistema de Solução de Controvérsias: Unasul e América Latina”. O evento discutiu alternativas comuns em matéria de cooperação judiciária para a América do Sul e Central, apresentando um panorama sobre a experiência europeia de integração e seu possível contributo para os processos de integração da América do Sul e América Latina.

A palestra de abertura coube ao Dr. Fausto de Quadros, professor catedrático da Universidade de Lisboa e Diretor Acadêmico do Centro de Excelência Jean Monnet, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, responsável por investigações científicas de alto nível em matéria de integração europeia. Com impressionante didática, Quadros fez uma exposição sobre o Direito da Integração na Europa e na América Latina. Afirmou que União Europeia e Mercosul possuem DNA´s - história e origens – completamente diferentes. Enquanto a União Europeia nasce da necessidade, com um sentido patológico, o Mercosul nasce a partir da ideia de consensualidade (ou consenso) entre os respectivos Estados Parte.

A União Europeia nasce após a Segunda Guerra Mundial, que deixou sessenta milhões de mortos, com destruição maciça quer entre vencedores, quer entre vencidos; eliminação de infraestrutura portuária e aeroportuária; muitas famílias separadas…”. O Mercosul, por outro lado, “não nasce de nenhuma guerra, nasce de um esforço de cooperação entre quatro Estados, por isso não teve nas suas genes nem genocídios, nem milhões de mortos. Não teve, portanto, a ideia de sofrimento que desperta os Estados para a necessidade de se criar uma autoridade supranacional que venha acudi-los para evitar uma nova guerra mundial”.

Atualmente, a União Europeia é uma união dotada de poder legislativo, conforme disposto no Tratado de Lisboa. O processo legislativo envolve o Conselho, o Parlamento Europeu e a Comissão. O primeiro representa os Estados, enquanto que o Parlamento é eleito por sufrágio direto e universal para representar os cidadãos dos Estados Membros. É formado não por bancadas nacionais, mas por partidos políticos do continente. A Comissão, por sua vez, exercerá o poder executivo, agindo como um governo, com um presidente investido pelo parlamento e com competência para escolher os ministros comissários.

Noutra realidade, o Mercosul ainda constitui uma união aduaneira inacabada. Afirma que, no projeto do Mercado Comum do Sul, apesar de dotado de órgãos próprios, a última palavra sempre cabe aos Estados Parte, dada a sua natureza intergovernamental. É o que ocorre no sistema de solução de controvérsias, apesar dos esforços do Tribunal Permanente de Revisão.

Diante disso, questiona “Será vantajoso para o progresso do Mercosul tomar como referência aquilo que já se fez na União Europeia? E segue: “para alcançar um espaço efetivamente integrado, vale a pena prosseguir na linha intergovernamental?”. Explica que é preciso que haja uma aproximação progressiva e por etapas, permitindo-se ao Mercosul, e ao Brasil especialmente, desempenhar um papel muito importante na realização da paz e no desenvolvimento mundial.

A globalização, que é a fase histórica que nós vivemos, já não é mais a fase dos Estados, mas dos Grandes Estados”. E “(…) nenhum manual de Direito Internacional Público nos Estados Unidos pode afirmar que aquela é uma nação plenamente soberana, e que por si só pode assegurar a paz e a segurança internacional, por isso é que os EUA integram a OTAN”.

Perante os efeitos indesejados da globalização, as alianças regionais/continentais funcionam, segundo Fausto de Quadros, como um air bag, ou seja, um mecanismo de defesa e proteção a favor dos Estados. Isso impõe, no plano judicial, a criação de um direito uniforme que permita o igual tratamento dos cidadãos no espaço integrado, tal como ocorre na União Europeia e como deveria ocorrer no Mercosul.

Assim, para o professor Quadros, não há dúvidas de que a América Latina em geral, e o Mercosul, em especial, enfrente mais facilmente a globalização como um conjunto solidário e unido. “Mesmo o Brasil, que é um grande Estado, mas que apenas um Estado entre duzentos Estados”. Para além das diferentes origens históricas, o modelo europeu e o Mercosul têm naturezas diferentes. A começar pelo processo decisório, já que no Mercosul as decisões não obrigam os Estados como ocorre na Europa.

Não desejo que hajam conflitos generalizados na América Latina para que aconteça na América Latina o que ocorreu na Europa após a Segunda Guerra Mundial” (…) Nós, da União Europeia, também fizemos coisas erradas na Europa e, se formos repetidos no Mercosul, espero que sejam imitadas apenas as coisas boas (…)”.

Primavera Árabe - Por Silvio Caccia Bava


O despertar do mundo árabe tem raízes profundas. Uma região que há décadas é controlada por regimes ditatoriais que reprimem a ferro e fogo toda manifestação em defesa de direitos, toda manifestação que venha a desestabilizar relações de poder amplamente favoráveis às suas elites e aos interesses estadunidenses e das antigas metrópoles coloniais ainda muito presentes na região. O que está em jogo é o controle do petróleo.


Mas nem toda opressão leva a uma revolta. É preciso que algo aconteça para detonar um levante popular. No caso da Tunísia, tudo começou quando um jovem vendedor ambulante ateou fogo a si próprio em protesto contra o confisco pela polícia das frutas e vegetais que ele vendia. Sua auto-imolação gerou uma série de crescentes mobilizações que levaram o presidente Ben Ali a renunciar, depois de 23 anos de governo.

O povo egípcio, animado com o exemplo da Tunísia e rompendo a barreira do medo que se impunha já há uma geração, tomou as ruas demandando liberdade política, o fim da corrupção, melhor qualidade de vida para a população empobrecida. Em uma semana o movimento tomou conta de todo país, a Praça Tahrir, no centro do Cairo, tornou-se o núcleo de crescentes mobilizações e protestos que, em três semanas, levaram à queda de Hosni Mubarak.

Três dias depois da renúncia do presidente e do fim de sua longa ditadura no Egito, o povo do Bahrein, pequeno Estado do Golfo, se lançou massivamente às ruas de Manama, capital do país, e se reuniu na Praça Perla, sua versão da praça egípcia de Tahrir. A repressão foi implacável. O Bahrein vem sendo governado pela mesma família, a dinastia de Khalifa, desde a década de 1780, há mais de 220 anos. Com as manifestações, a população do país não pedia o fim da monarquia, mas sim uma maior representação em seu governo.

A Primavera Árabe, como é conhecido este amplo movimento que já se estende pela Tunísia, Egito, Líbia, Bahrein, Síria, Iêmen, Argélia, Jordânia, ao que parece, tem mais fôlego. Em alguns países levou à guerra civil, em outros a reformas nos gabinetes e na legislação para evitar a revolução, em outros o impasse continua, sem sabermos seu desenlace. Há quem estabeleça relações entre as revoltas populares no mundo árabe e as recentes mobilizações na Espanha e na Grécia. Os movimentos sociais também teriam se globalizado.

De uma maneira geral estamos vivendo um momento em que novos e vigorosos movimentos sociais estão querendo mudanças. O mundo como ele é, com as instituições e partidos que o governam, não satisfaz mais às maiorias que se puseram em movimento em distintos países. A Primavera Árabe precisa ser melhor compreendida, ela traz os germens do novo.