segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O Reenvio Prejudicial e as Opiniões Consultivas - Por Cristiane Lima


Brasília, treze de setembro de 2011. Os presidentes das mais altas cortes da América Central e América do Sul reúnem-se pelo segundo dia com pesquisadores, docentes da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e membros da magistratura de todo o Brasil para discutir o “Sistema de Solução de Controvérsias: Unasul e América Latina”.

Após um primeiro dia de brilhante exposição acerca dos vinte anos do MERCOSUL e das possíveis contribuições da União Européia para o processo de integração da América Latina, o Professor Doutor Fausto de Quadros, fez mais uma explanação, desta vez abordando os aspectos relativos às questões prejudiciais e às opiniões consultivas. As últimas foram incluídas pelo Protocolo de Olivos como uma opção de consulta por parte dos tribunais nacionais ao Tribunal Permanente de Revisão e as primeiras estão expressas no artigo 267 do Tratado de Funcionamento da União Européia[1].

As questões prejudiciais têm como objetivo criar uma cooperação entre os tribunais nacionais e o Tribunal de Justiça da União Européia, que, por sua vez, tem como uma das suas finalidades assegurar a aplicação uniforme do Direito Comunitário. “O Direito da União Européia é aquele formado pelo direito comum e por sua aplicação e interpretação uniforme nos vinte e sete Estados membros da União Européia. Enquanto que o Direito Internacional não pretende a aplicação uniforme, sendo de maneira fragmentada”.

Tendo em vista a sua peculiaridade, apenas os tribunais nacionais podem suscitar e apresentar as questões prejudiciais, não tendo nem os indivíduos, sem a Comissão Européia e o Conselho competência para fazê-lo.

Sobre as funções das questões prejudiciais, o Professor Fausto de Quadros ponderou que uma das suas principais características é justamente possibilitar a uniformidade de aplicação das decisões advindas do Direito Comunitário, principalmente em virtude da obrigatoriedade de aplicação deste direito.

Além disso, o único órgão competente para apresentá-las é o Tribunal de Justiça da União Européia que possui, dentre as suas inúmeras competências, a capacidade de interpretação evolutiva dos Tratados da União Européia, acarretando, neste sentido, uma aplicabilidade mais condizente com a realidade dos vinte e sete estados membros.

Em contrapartida, no Mercosul, que recebe inúmeras críticas especialmente pela visão retórica dos seus estados partes, a existência das chamadas opiniões consultivas não possibilita qualquer modificação ou aplicação no direito advindo do próprio bloco.

Conforme induz o próprio nome, significam apenas consultas realizadas pelos tribunais dos estados partes (o Brasil, inclusive, ainda nem criou uma regulamentação para a apresentação das opiniões consultivas) e só podem ser feitas pelos tribunais superiores (no caso do Brasil seria o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, no entanto, os dois órgãos ainda divergem quem é efetivamente o tribunal superior) retirando-se do cidadão qualquer possibilidade de solicitação das opiniões consultivas.

Além disso, as opiniões apresentadas pelo Tribunal Permanente de Revisão não são obrigatórias e não há qualquer obrigação por parte dos tribunais nacionais solicitados, caso haja alguma divergência de aplicação do direito mercosulino. Este ponto, divergente consideravelmente do modelo europeu, uma vez que as questões prejudiciais sempre devem ser suscitadas quando há alguma dúvida de aplicação do direito comunitário pelo tribunal nacional dos vinte e sete estados membros. Inclusive, em caso de ausência, o Estado poderá ser responsabilizado civilmente.

Outro ponto negativo referente às opiniões consultivas é o próprio número de solicitações, já que apenas quatro foram apresentadas desde que esse novo sistema de interpretação das normas do bloco foi criado, o que demonstra desinteresse tanto dos estados partes e dos seus tribunais nacionais na aplicação uniforme do direito advindo do Mercosul.

Como bem observado pelo Prof. Fausto de Quadros, para avançar e atingir patamares mais elevados, a integração mercosulina (que tanto se difere da integração européia) exigirá uma vontade política maior por parte dos quatros estados partes do bloco. E nesse ponto, a modificação da forma de apresentação e de proposição das opiniões consultivas pode constituir um dos pontos principais desta mudança.


[1] Essa nova denominação foi definida pelo Tratado de Lisboa que entrou em vigor em 2009.